quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Proposta da FUVEST envolvendo a dialética de Sartre

A partir da leitura dos textos abaixo, redija uma DISSERTAÇÃO em prosa, discutindo as idéias neles contidas.

(...) o inferno são os Outros. (Jean-Paul Sartre)‏

(...) padecer a convicção de que, na
estreiteza das relações da vida, a alma
alheia comprime-nos, penetra-nos,
suprime a nossa, e existe dentro de nós,
como uma consciência imposta, um
demônio usurpador que se assenhoreia
do governo dos nossos nervos, da
direção do nosso querer; que é esse
estranho espírito, esse espírito invasor
que faz as vezes de nosso espírito, e que
de fora, a nossa alma, mísera exilada,
contempla inerte a tirania violenta dessa
alma, outrem, que manda nos seus
domínios, que rege as intenções, as
resoluções e os atos muito
diferentemente do que fizera ela própria
(...) (Raul Pompéia)‏

“Os outros têm uma espécie de
cachorro farejador, dentro de cada um,
eles mesmos não sabem. Isso feito um
cachorro, que eles têm dentro deles, é
que fareja, todo o tempo, se a gente por
dentro da gente está mole, está sujo ou
está ruim, ou errado... As pessoas,
mesmas, não sabem. Mas, então, elas
ficam assim com uma precisão de judiar
com a gente...” (João Guimarães Rosa)‏


(...)‏experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas
[entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.(Carlos Drummond de Andrade)‏
O filósofo e psicólogo William James
chamou a atenção para o grau em que nossa
identidade é formada por outras pessoas:
são os outros que nos permitem desenvolver
um sentimento de identidade, e as pessoas
com as quais nos sentimos mais à vontade
são aquelas que nos “devolvem” uma
imagem adequada de nós mesmos (...)‏
(Alain de Botton)‏

NA CONVERSA leiga, "Fulano é narcisista" significa que ele adora se ver no espelho e nunca pensa nos outros. Na clínica, o sentido da expressão é diferente: o traço dominante da "personalidade narcisista" é a insegurança. Narcisista é quem está sempre se questionando: "O que os outros enxergam em mim? Será que gostam do que vêem?".
Em ambos os casos, o narcisista se preocupa com sua imagem. Mas, na conversa leiga, ele seria apaixonado por ela (como o Narciso do mito), enquanto, segundo a clínica, ele seria dramaticamente atormentado pelo sentimento de que sua imagem depende do olhar dos outros.
De fato, a clínica tem razão: no espelho, enxergamos sempre e apenas o que os outros vêem (ou o que imaginamos que eles vejam). O mesmo mal-entendido aparece quando a gente constata que vive numa "sociedade narcisista".
Na conversa leiga, essa constatação soa como uma queixa moral: estaríamos vivendo no mundo do "cada um por si". A clínica sugere o contrário: numa sociedade narcisista, cada um depende excessivamente dos outros. Somos desprovidos de essência: sou filho SE meus pais me amam, sou pai SE meus filhos gostam de mim, sou psicanalista SE pacientes e colegas me reconhecem, sou colunista SE você agüentou ler até aqui. O espelho que nos define não é o de Narciso, é o da bruxa de Branca de Neve, um espelho que interrogamos, ansiosos.

Ora, recentemente, assisti, fascinado, ao processo de seleção da sexta temporada do programa "American Idol" (no canal Sony). É um programa parecido com "Fama", da Globo de dois ou três anos atrás, e com "Ídolos", do SBT. Trata-se de descobrir novos cantores e cantoras.

O vencedor é eleito pelo público da TV, mas o que me cativou foi a longa fase inicial, em que os finalistas são selecionados por um júri, entre milhares de jovens concorrentes.
Todos os candidatos parecem entusiasticamente certos de que serão o futuro ídolo, mas a audição da grandíssima maioria é propriamente constrangedora.

No mesmo canal, há outro programa parecido: "American Inventor", em que desfilam inventores convencidos de que seu achado mudará o mundo, mesmo que se trate da máquina acariciadora de cachorro para dono preguiçoso (uma das invenções propostas).


O que leva milhares de sujeitos a encarar uma espécie de humilhação pública? Será que eles são narcisistas à moda da conversa leiga, enamorados de si mesmos a ponto de perder toda autocrítica? Por algum milagre do amor materno, eles guardariam uma imagem de si positiva e imperturbável: "Deixe o mundo falar, pois eu fui, sou e sempre serei o ídolo da minha mãe" (alguns concorrentes, aliás, compareciam acompanhados por uma mãe embevecida).
É possível. Mas, nas palavras de muitos candidatos entrevistados, aparecia outra coisa: uma vontade dolorosa de despertar um olhar de reconhecimento não só no público, mas nos seus familiares, ausentes e indiferentes. Era como se eles estivessem dispostos a qualquer coisa para deixar, enfim, de ser invisíveis: "Riam de mim, mas ao menos me vejam". Pode parecer paradoxal que alguém tente chamar a atenção (do pai, da mãe, da irmã e do mundo) expondo-se ao ridículo e ao fracasso. Mas, aparentemente, acontece que escárnio e zombaria são um preço aceitável por um (triste) momento de fama.
Para a dramática insegurança do narcisismo (aqui no sentido clínico), uma condenação ou um fracasso humilhante apresentam uma vantagem parecida: ambos são preferíveis ao silêncio do outro. Num mundo em que a gente só existe pelo olhar alheio, a invisibilidade é mais intolerável do que o escárnio ou a prisão.


ENCAMINHAMENTOS POSSÍVEIS

- O julgamento dos outros torna-se o principal imperativo da vida humana, seu principal castigo.
- A alteridade determina a identidade: eu existo a partir do olhar do outro que chega a moldar nossas reações, nossos desejos e angústias.
- Mesmo de modo inconsciente, as pessoas buscam farejar nos outros as fraquezas, os erros, as transgressões
- Con-viver, ainda que sob diferentes circunstâncias, gera uma insuspeitada alegria
- As pessoas que nos devolvem uma imagem “adequada” de nós mesmos são as mais agradáveis. Busca-se nos outros aprovação.